Karl Marx e o mundo das mercadorias (profº Ney)
- projetopaideia
- 5 de abr. de 2016
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Quem produz a riqueza e quem se apropria dela?

KARL MARX E O FETICHE DA MERCADORIA
Marx inicia em sua obra máxima "O Capital" (1867) a análise do que ele considerava a célula fundamental da sociedade capitalista: a mercadoria.
Ao analisar a mercadoria Marx identifica que a mercadoria possui um valor de uso (utilidade) e um valor de troca (expresso num preço). Porém, o que existe de comum em qualquer mercadoria é o fato de que estas são produtos da força de trabalho do trabalhador. Mais do que isso, o valor de mercadoria é a expressão do tempo de trabalho socialmente necessário para produzí-la.
O preço, distinto do valor, mistifica a relação pois dá a impressão que o "valor" das mercadorias é uma característica da própria mercadoria e não do trabalho humano.
No sistema capitalista a super-produção de mercadorias e a transformação de uma série de relações sociais em mercadorias (incluída a força de trabalho) mistifica uma série de relações sociais fundamentais entre elas as relações de exploração existentes no mundo do trabalho no capitalismo (a mais-valia). O fetiche (desejo) pelas mercadorias oculta a extração da mais-valia pois, do ponto de vista do consumidor destas mercadorias "o que na prática interessa em primeiro lugar aos que trocam produtos é saber que quantidade [de produtos alheios] é que obterão em troca dos seus produtos, isto é, as proporções em que eles se trocam" (Marx).
Segue abaixo trecho do capítulo I de O Capital sobre a mercadoria:
A riqueza das sociedades em que domina o modo de produção capitalista apresenta-se como uma “imensa acumulação de mercadorias”. A análise da mercadoria, forma elementar desta riqueza, será, por conseguinte, o ponto de partida da nossa investigação.
A mercadoria é, antes de tudo, um objeto exterior, uma coisa que, pelas suas propriedades, satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie. Que essas necessidades tenham a sua origem no estômago ou na fantasia, a sua natureza em nada altera a questão. Não se trata tão pouco aqui de saber como são satisfeitas essas necessidades: imediatamente, se o objeto é um meio de subsistência, [objeto de consumo] indiretamente, se é um meio de produção. [...]
O FETICHISMO DA MERCADORIA E O SEU SEGREDO
A primeira vista, uma mercadoria parece uma coisa trivial e que se compreende por si mesma. Pela nossa análise mostramos que, pelo contrário, é uma coisa muito complexa, [...] Enquanto valor-de-uso, nada de misterioso existe nela, quer satisfaça pelas suas propriedades as necessidades do homem, quer as suas propriedades sejam produto do trabalho humano. É evidente que a atividade do homem transforma as matérias que a natureza fornece de modo a torná-las úteis. Por exemplo, a forma da madeira é alterada, ao fazer-se dela uma mesa. Contudo, a mesa continua a ser madeira, uma coisa vulgar, material. Mas a partir do momento em que surge como mercadoria, as coisas mudam completamente de figura: transforma-se numa coisa a um tempo palpável e impalpável. Não se limita a ter os pés no chão; face a todas as outras mercadorias, apresenta-se, por assim dizer, de cabeça para baixo, e da sua cabeça de madeira saem caprichos mais fantásticos do que se ela começasse a dançar [...]
Donde provém, portanto, o carácter enigmático do produto do trabalho, logo que ele assume a forma-mercadoria? [...]
A recente descoberta científica, de que os produtos do trabalho, enquanto valores, são [objetiva] pura e simplesmente a expressão do trabalho humano gasto na sua produção, marca uma época na história do desenvolvimento da humanidade, mas não dissipou de modo algum a fantasmagoria que faz aparecer o caráter social do trabalho como uma qualidade das coisas, dos próprios produtos. [...]
O que na prática interessa em primeiro lugar aos que trocam produtos é saber que quantidade [de produtos alheios] é que obterão em troca dos seus produtos, isto é, as proporções em que eles se trocam. A partir do momento em que estas proporções passaram a ter uma certa fixidez, produzida pelo hábito, elas parecer-lhe-ão provir da própria natureza dos produtos do trabalho [...].
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Capítulo I.
Palavras chave em Marx:
Mercadoria: Marx inicia a análise da sociedade capitalista a partir do que ele considera sua unidade fundamental, a mercadoria. Esta possui duas dimensões. O valor de uso e o valor de troca. Toda mercadoria é fruto de um determinado tempo de trabalho socialmente necessário para produzí-la. O Valor de uma mercadoria é determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário para produzi-la. O preço é a expressão monetária do valor.
Valor de uso e Valor de troca: O primeiro diz respeito a utilidade do produto, não importa se para atender as necessidades do estômago ou da fantasia. A premissa do valor é a troca (A=B) A troca já traz em germe a forma dinheiro pois a troca baseia-se num equivalente. Com o aumento das trocas surgiu uma mercadoria como medida de valor (o dinheiro como uma mercadoria). Historicamente existiram 3 etapas do dinheiro: como valor de uso (água, peles, sal); metais preciosos (ouro, prata) e o papel moeda. É apenas quando ocorre a mudança qualitativa e os valores de troca excedem em muito o valor de uso é que nasce a dominação da mercadoria (como valor de troca).
Fetiche da Mercadoria: é o desejo pela mercadoria. No sistema capitalista a super-produção de mercadorias e a transformação de uma série de relações sociais em mercadorias (incluída a força de trabalho) mistifica uma série de relações sociais fundamentais entre elas as relações de exploração existentes no mundo do trabalho no capitalismo (a mais-valia). O fetiche (desejo) pelas mercadorias oculta a extração da mais-valia pois, do ponto de vista do consumidor destas mercadorias "o que na prática interessa em primeiro lugar aos que trocam produtos é saber que quantidade [de produtos alheios] é que obterão em troca dos seus produtos, isto é, as proporções em que eles se trocam" (Marx).
Mais Valia: A relação entre lucro capitalista e remuneração da força de trabalho pode ser abordada a partir do conceito de mais-valia, definido como aquele “valor produzido pelo trabalhador [e] que é apropriado pelo capitalista sem que um equivalente seja dado em troca.” (BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p. 227). A apropriação privada da mais valia é, para Marx, o elemento central da exploração do trabalho no capitalismo. Os empresários são obrigados a comprar a força de trabalho para que possam extrair valor (mais-valia) e os trabalhadores não tem outra solução que não seja vender sua força de trabalho ao capitalista. O trabalho cria valor: se o trabalhador trabalhar além de um certo tempo criará um valor superior ao valor de sua força de trabalho, um mais-valor ou mais valia.
Trabalho cristalizado: Toda mercadoria contém trabalho social contido nela. As mercadorias são produtos do trabalho humano, dispêndio de cérebro, nervos, mãos e sentidos do homem. A grandeza do valor contido nas mercadorias é medida pelo quantum de trabalho, que é a “substância constituidora de valor”. Portanto, o que gera valor é tão-somente o trabalho. Marx aqui opera algo magistral, que o diferencia dos economistas burgueses, a saber: a descoberta do trabalho como fundamento da forma valor.
Alienação do trabalho: Alienação tem diversos significados, pode ser uma cessão de bens, transferência de domínio de algo ou uma perturbação mental. A alienação é a diminuição da capacidade dos indivíduos em pensar ou agir por si próprios. Ao transpor o conceito de alienação para explicar as características do trabalho no capitalismo. Marx destaca que uma das coisas que nos separa do restante dos animais é a capacidade de modificarmos o ambiente de acordo com nossos projetos (e modificar nossos projetos de acordo com a realidade material), assim, utilizando/fabricando/produzindo nossas próprias ferramentas de produção. Mas, o capitalismo, o trabalhador, "o trabalhador torna-se mais pobre quanto mais riqueza produz", "a valorização do mundo das coisas, acarreta a desvalorização do mundo dos homens". Ou seja, o proletário não se sente realizado no seu trabalho, pois o mesmo torna-se um elemento torturante, desgastante física e psicologicamente. Ao analisar a condição operária, Marx considera que, ao tornar-se alienado do processo e do produto do trabalho (efeito da propriedade privada dos meios de produção) no fim do processo de trabalho, o produto feito se transforma em algo estranho, independente do ser que o produziu. Este estranhamento, essa diferença entre produtor e produto pode ser considerado o elemento central da concepção de alienação.
Segue texto de Karl Marx intitulado “O Trabalho Alienado” escrito quando o autor tinha apenas 26 anos, em 1844, após Marx entrar em contato com as associações operárias na França.
O TRABALHO ALIENADO
(...) O trabalhador torna-se tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador torna-se uma mercadoria tanto mais barata, quanto maior número de bens produz. Com a valorização do mundo das coisas aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens. O trabalho não produz apenas mercadorias; produz também a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e justamente na mesma proporção com que produz bens.
Semelhante fato implica apenas que o objeto produzido pelo trabalho, o seu produto, se lhe opõe como ser estranho, como um poder independente do produtor (...) A realização do trabalho aparece na esfera da economia política como desrealização do trabalhador, a objetivação como perda e servidão do objeto, a apropriação como alienação. (...)
Em que consiste a alienação do trabalho?
Em primeiro lugar, o trabalho é exterior ao trabalhador, quer dizer, não pertence à sua natureza; portanto ele não se afirma no trabalho, mas nega-se a si mesmo, não se sente bem, mas infeliz, não desenvolve livremente suas energias físicas e mentais, mas esgota-se fisicamente e arruína o espírito. Por conseguinte o trabalhador só se sente em si fora do trabalho, enquanto no trabalho se sente fora de si. Assim, o seu trabalho não é voluntário, mas imposto, é trabalho forçado. Não constitui a satisfação de uma necessidade, mas apenas um meio de satisfazer outras necessidades. O seu caráter ressalta claramente do fato de se fugir do trabalho como da peste (...)
Uma vez que o trabalho alienado 1) aliena a natureza do homem, 2) aliena o homem de si mesmo, a sua função ativa, a sua atividade vital, aliena igualmente o homem a respeito da espécie (...)
Vejamos ainda como o conceito de trabalho alienado se deve expressar e revelar na realidade. Se o produto do trabalho me é estranho e se contrapõe a mim como poder estranho, a quem pertencerá então? Se a minha própria atividade não me pertence, a quem pertencerá então? Se a minha própria atividade não me pertence, se é uma atividade alheia, forçada, a quem pertencerá portanto?
Se o produto do trabalho não pertence ao trabalhador, se a ele se contrapõe como um poder estranho, isso só é possível porque o produto do trabalho pertence a outro homem distinto do trabalhador. (...)
MARX, Karl. O Trabalho Alienado in Manuscritos Econômico-Filosóficos. Ed. 70. Lisboa. 1993. pp 157-172.
Segue abaixo vídeo produzido pela Unifesp com participação do professor da USP Gabriel Cohn sobre o pensamento de Marx:
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