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Crise e Reforma Política

CRISE E REFORMA POLÍTICA

Por Profº Ney Jansen (sociologia)

fonte: Jornal da Campanha Nacional por um Plebiscito Oficial da Constituinte do Sistema Político. 2015.


O Brasil vive atualmente uma grande crise política-institucional. A operação Lava Jato da polícia federal, criada sob o argumento de se apurar desvios de dinheiro na Petrobrás tem sido objeto de polêmicas e o foco da atual crise política. Tem sido flagrante as atuações e conluios entre agentes do judiciário e interesses partidários e midiáticos seletivos nas operações em questão.


Na esteira dessa crise foi divulgado pela imprensa Planilhas da empreiteira Odebrecht -a revelia do juiz federal Sérgio Moro que, nesse caso, havia de forma “estranha” solicitado sigilo desse documento ao contrário de outros na qual o mesmo não se preocupou em “vazar”-. Nessas Planilhas são citados cerca de 200 políticos (deputados, senadores, governadores e até o ex-candidato a presidente derrotado nas urnas no 2º turno em 2014) como beneficiários de recebimento de dinheiro visando financiamento de campanha.


Os dados saltam aos olhos: o financiamento empresarial de campanha


Segundo levantamento feito pelo OESP, sete de cada dez deputados federais eleitos receberam verbas de ao menos uma das dez empresas que mais fizeram doações eleitorais em 2014. Essas dez empresas investiram na eleição em 360 dos 514 deputados federais eleitos (70%!). Outros dados relevantes é que os repasses foram para diversos candidatos de diversos partidos (23 partidos ao todo). Os candidatos eleitos gastaram em média 11 vezes mais que os derrotados. Os 1,5 mil parlamentares eleitos (deputados federais, estaduais, federais e senadores) tiveram despesas 29% acima do que a soma dos gastos dos 13 mil não eleitos. Ou seja, o poder econômico influencia de maneira decisiva na eleição ou não de um candidato.


Entre as dez maiores empresas financiadoras de campanha temos:


I) O grupo JBS (Friboi, Swift, Vigor, Leco, Faixa Azul, ente outros). A JBS que é a maior empresa de proteína animal no mundo destinou R$ 61,2 milhões para 162 deputados, dirigentes de 21 dos 28 partidos;

II) Depois temos o banco Bradesco que desembolsou R$ 20,3 milhões para 113 deputados de 16 partidos;

III) O Grupo Vale (setor de mineração) que financiou 85 deputados eleitos de 19 partidos

IV) Depois a empreiteira OAS que desembolsou R$ 13 milhões para eleger 79 deputados de 17 partidos;

V) A empreiteira Andrade Gutierrez com 68 deputados federais;

VI) Na sequência a Ambev (bebidas) que gastou R$ 11,7 milhões com a eleição de 76 deputados de 19 partidos;

VII) Seguida da empreiteira Queiróz Galvão com R$ 7,5 milhões para 57 eleitos;

VIII) A UTC (também empreiteira) com investimentos de R$ 7,2 milhões e ajudou a eleger 61 deputados;

IX)Na sequências das dez maiores temos o Banco Itaú com gastos de R$ 6,5 milhões mas elegendo uma grande bancada com 84 deputados de 16 partidos;

X) E, por fim, na lista das dez maiores financiadoras, a empreiteira Odebrecht com R$ 6,5 milhões gastos e 62 parlamentares eleitos.


O que salta aos olhos é que a bancada da “construção civil” tem sozinha 214 deputados de 23 partidos. O financiamento empresarial até as últimas eleições em 2014 por si só, não era crime (salvo se o valor declarado à justiça eleitoral for inferior do efetivamente recebido, o que configura o crime conhecido como "caixa 2").


Mas, uma das perguntas a se fazer é: esses financiamentos visam quais interesses? Obter contratos e concessões privilegiadas, benesses variadas, influência direta em postos nos diferentes níveis de governo, pressionar, influenciar ou até comandar determinada política econômica e industrial (aumento de taxa de juros, pressão para se “flexibilizar” direitos trabalhistas). Ou seja, a lógica dos interesses “do mercado”.


As “Planilhas da Odebrecht” colocaram novamente a tona o problema do financiamento empresarial de campanha o que torna questionável a existência de uma real democracia. É esse sistema que torna as eleições cada vez mais caras, reduzindo de forma significativa a possibilidade de candidaturas financiadas por trabalhadores e jovens (as campanhas militantes).


fonte: Cartilha Plebiscito Constituinte. 2ª Edição. 06/02/2014.


O debate da reforma política


Arrisco a dizer que parte dos embates políticos neste momento no Brasil tem sua origem em 2013, a partir das chamadas jornadas de junho. Iniciadas em São Paulo após forte repressão da PM sob ordem do governador Geraldo Alckmin (PSDB/SP), resultaram em enormes mobilizações populares que se espalharam pelo Brasil afora contra o aumento das passagens que chegou a impor o cancelamento e redução do aumento das tarifas em vários lugares no Brasil. O movimento transbordou para uma série de outros temas que iam desde o questionamento dos gastos com a Copa, as críticas genéricas à corrupção e ao sistema partidário.


A presidente Dilma do PT, à época (junho 2013) fez um pronunciamento à televisão propondo “pactos” sobre mobilidade urbana, saúde, educação e afirmou que o país necessitava de uma reforma política via Constituinte. No dia seguinte ela sofreu um bombardeio do “aliado” PMDB, de ministros do STF, da grande mídia, da oposição de direita (PSDB, etc) e da equivocada extrema esquerda (Pstu, setores do Psol). Dilma recuou depois para uma proposta de um plebiscito sem Constituinte. No discurso de sua posse após reeleição em 1º de janeiro de 2015 a presidente Dilma afirmou na tribuna do Congresso que "havia sido eleita para se fazer as reformas" e que "democratizar o poder significa lutar pela reforma política".


Em 2014, os movimentos sociais organizaram Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva pela Reforma Política que coletou 8 milhões de votos e cujos resultados foram entregues oficialmente aos representantes dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) naquele ano.


Mas o quê é e porquê uma reforma política no Brasil? O Brasil possui um sistema político que cientistas políticos chamam de “presidencialismo de coalizão”, ou seja, o presidente governa mas graças a uma coalizão de partidos que lhe possam dar uma base de sustentação no Congresso (Câmara e Senado). Essa “coalizão” poderia ser chamada também de balcão de negócios, apelido nada generoso para designar nosso sistema partidário.


O sistema de representação brasileiro tem suas raízes no Império (caso do senado), passando pela República Velha (aquela do “coronelismo”) passando pelos períodos ditatoriais do Estado Novo (1937-45), da ditadura civil-militar (1964-85) e na “transição” negociada pelas elites no Colégio Eleitoral de 1985 contra a vontade expressa pela população nas manifestações de massa pelas diretas já do início dos anos 1980.


No caso do financiamento empresarial os movimentos sociais envolvidos com o debate da reforma política defendem o fim do financiamento empresarial e sua substituição pelo financiamento público exclusivo de campanha. Dessa maneira poderia se atenuar o peso do poder econômico nas eleições.


Porém, o Congresso sob a presidência de Eduardo Cunha do PMDB na Câmara aprovou em 2015 um projeto de lei que tornaria constitucional o financiamento empresarial a partidos políticos, na contramão do defendido pelos movimentos sociais. Foram 317 votos favoráveis (PSDB, PMDB, DEM, PP, PV, PR) ao financiamento empresarial e 162 contrários (PT, PCdoB, PSOL). O Senado por outro lado aprovou a rejeição ao financiamento empresarial eleitoral por 36 votos a 31 votos evidenciando uma crise entre as duas casas legislativas.


O Supremo Tribunal Federal (STF) ainda em 2015 decidiu que é inconstitucional o financiamento de empresas a campanhas eleitorais (não a partidos) valendo apenas a partir das eleições municipais de 2016. Doações de pessoas físicas foram liberadas desde que restritas a 10% da renda do indivíduo.


Essa decisão permitiu que em setembro do ano passado, a presidente Dilma seguindo o STF, vetasse o texto aprovado pelo Congresso que constitucionalizava a doação de empresas a partidos políticos. Porém, o veto da presidente pode ser questionado pelo Congresso


Na prática, ao invés de uma reforma política mais profunda, com ampla participação popular via um processo Constituinte, o que se aprovou foi um arremedo de “reforma” e sem o financiamento público exclusivo de campanha.


Outros pontos esquecidos: voto em lista, fim do Senado, proporcionalidade e representatividade


Existe no sistema eleitoral brasileiro uma grave distorção que é o fato que se vota cada vez mais em pessoas não em partidos. É conhecido o fato de candidatos “puxadores de voto” (artistas e esportistas midiáticos e demais oportunistas de plantão) que se filiam a uma legenda e graças a distribuição dos votos nos quocientes eleitorais de cada partido acabam “puxando” consigo vários candidatos que obtiveram votos reduzidos. Uma alternativa a isso seria o voto em lista partidária na qual se reforçariam o papel dos partidos em apresentarem plataformas programáticas nas eleições. As listas seriam também objeto de discussão interna aos partidos dando mais vida a discussão programática partidária.


O questionamento da existência do Senado. Na fundação da democracia como regime político pelos gregos na Antiguidade não existia Senado. Existiu no Império Romano (como representação da elite, os patrícios) e na sua versão moderna na Inglaterra do século XVII como representação dos grandes nobres e proprietários de terra na Inglaterra ("câmara dos lordes") num acordo feito com a burguesia ascendente da época que ficava na câmara “baixa” ou “dos comuns”.


Portanto, esse poder de origem aristocrática é o contrário de experiências revolucionárias na história como a Revolução Francesa de 1789, a Comuna de Paris de 1871 ou a Revolução Russa de 1917, todas que adotaram o sistema unicameral. Além disso, no Brasil elegemos três senadores por estado, numa desproporção na qual os estados com maior número de eleitores elegem a mesma quantidade que os estados menores. Ou seja, os 16 menores estados controlam 51% do Senado. Essa desproporção é funcional aos interesses político-econômicos dominantes. Exemplo disso foi quando a ditadura civil-militar aprovou o chamado “pacote de abril” em 1977 instituindo o “Senado Biônico” na qual 1/3 dos senadores eram indicados pelo governo e permitiu-se criar novos estados (Acre, Rondônia, Amapá, Roraima, Mato Grosso do Sul, Tocantins) criando assim uma maioria que pudesse garantir a “transição negociada” ao final da ditadura.


Outro debate é sobre a proporcionalidade e a representatividade. No caso deste último, a representatividade, logo associamos a exclusão de "minorias" (que na verdade muitas vezes não são minorias, mas a maioria) como a exclusão social e política de mulheres, negros, indígenas. No Brasil, mulheres votam desde 1932, mas mesmo sendo 52% da sociedade são apenas 10% do parlamento. Pretos, pardos e indígenas que são 51% dos brasileiros ante 48% de brancos são apenas 4% no parlamento. Evidentemente a baixa representação de mulheres e negros na política está ligada a nossa cultura e sociedade patriarcal e racista, mais isso não pode ser um critério racial ou de gênero abstrato, desvinculado de posicionamentos políticos ligados à luta de classes. Por exemplo: a atual ministra da agricultura, a senadora Kátia Abreu, é mulher, mas defensora dos interesses dos ruralistas, radicalmente contrária a reforma agrária, é favorável a criminalização dos movimentos sociais no campo e possui uma atuação pública de defesa dos agrotóxicos e transgênicos (fruto de lobby das multinacionais).


Sobre a proporcionalidade, no Brasil, o voto não tem o mesmo valor. Não existe no Brasil o princípio "um cidadão/um voto". Explicando melhor: um cidadão de Rondônia tem por exemplo seu voto valendo 11 vezes mais o voto de um eleitor de São Paulo. Por que isso acontece? Existe uma regra que estabelece que cada estado deva ter no mínimo 8 e no máximo 80 deputados. Dessa forma, privilegia-se estados menores e isso esteve ligado historicamente a necessidade que a burguesia urbana industrial e financeira dos grandes centros pudesse se apoiar nos setores agrários exportadores.


Outras questões merecem especial atenção como a questão indígena, submetidos à uma opressão histórica e que lutam pelo direito da demarcação das terras ameaçadas constantemente pelo agronegócio. Uma representação indígena específica no Congresso nacional, com votação específica, com regras decididas em consulta com as representações das populações indígenas poderia ser uma alternativa a ser debatida.


Na atual crise política-institucional no país, com um golpe em curso, no contexto da articulação empresarial, jurídica e política envolvendo desde a FIESP, FIEP, o STF, partidos como o PSDB e PMDB e a grande imprensa como a Rede Globo e outros, que se visa criar um "estado de exceção". Os movimentos populares não deveriam agitar como saída política que a palavra pudesse ser dada ao povo como uma Assembleia Nacional Constituinte? Sem regras privadas de financiamento dos deputados constituintes, de forma unicameral e com real proporcionalidade.


Profº Ney Jansen

Referências:

Cartilha Plebiscito Constituinte. 2ª Edição. 06/02/2014.

Jornal da Campanha Nacional por um Plebiscito Oficial da Constituinte do Sistema Político. 2015.

Plebiscito Popular pela Constituinte. Nova Palavra. São Paulo. 2014.

Jornal Olho Vivo. Publicação do Comitê Paranaense em Defesa do Patrimônio Público. Dezembro 2014.

Link: http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2015-09/dilma-veta-financiamento-empresarial-de-campanhas-eleitorais

link: http://www.cartacapital.com.br/blogs/parlatorio/um-baque-contra-o-financiamento-empresarial-veja-a-votacao-do-senado-8519.html

link: http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/POLITICA/480013-INTEGRA-DO-DISCURSO-DE-POSSE-DA-PRESIDENTE-DILMA-ROUSSEFF-NO-CONGRESSO.html. 01/01/2015.

Link: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/03/sergio-moro-coloca-listao-de-odebrecht-sob-sigilo.html


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